quinta-feira, 2 de setembro de 2010

RIGOLETTO, DE VERDI, NA RTP 2


RIGOLETTO, DE VERDI, NA RTP2

No próximo fim-de-semana (4 e 5 de Setembro), o Canal 2 da RTP vai transmitir a ópera Rigoletto, de Giuseppe Verdi. Recomendamos vivamente aos amigos este espectáculo com laivos de história e popularidade. Para já, é dito que teremos Plácido Domingo no papel de Rigoletto (1).
A ópera não é espectáculo de elites, embora no teatro lírico seja útil algum conhecimento prévio da história ou do argumento. Em 1 de Junho de 1986, no Teatro Nacional de S. Carlos, um camarote de 5 lugares custou 750 escudos. Por mera casualidade, lá encontrei um bom amigo abrantino, ligado à área da saúde, embora tenha ficado por cumprir a cerveja na Trindade, como complemento. Lembras-te?

A Ópera Rigoletto foi estreada a 11 de Março de 1851 no Teatro La Fenice, em Veneza, quando Verdi contava apenas 38 anos. E passou "somente" 21 vezes nessa temporada! Em 1853 seguia-se a primeira apresentação no Convent Garden, em Londres. Na temporada de 1853-1854 teríamos a primeira apresentação no então Real Theatro de São Carlos, em Lisboa. Para trás ficava uma complicada e intricada história, que passaremos a resumir.
Em 1832, no Théàtre Français, em Paris, subiu ao palco uma peça de Victor Hugo que colocava mal a imagem do soberano francês Francisco I. Tal temeridade valeu a imediata proibição da peça, acusada de "ultrajar os bons costumes", acabando por trazer ao autor uma série de complicações, envolvendo a própria Comédie Française e o governo, com processos a correr em tribunal.
Quanto a Verdi, parece que apenas em 1844 terá conhecido a peça. Acabava de estrear o “Ernâni” com sucesso, e o novo tema parecia ter condições para uma boa ópera. Escreve a Francesco Maria Piave, sugerindo-lhe a composição do libreto e propondo-lhe como título "A Maldição" (La Maledizione).
Mas a censura não tardaria em achar o tema imoral, face a um soberano que a história respeitava. Surge então um tal Martello, que, apesar de pertencer à polícia política, era admirador de Verdi. Negociaram-se algumas alterações para que a peça fosse autorizada. O rei cedeu o lugar ao Duque de Mântua, e o bobo deixou de chamar-se Triboulet para passar a Rigoletto, dando o título à ópera. O importante era o assunto, e este, de certo modo, permanecia. Passemos então à história.

Uma sala do palácio do Duque de Mântua. Do interior vêm vozes, risos e música. O Duque galanteador fala ao Barão Borsa de uma jovem desconhecida, bonita, que todos os Domingos vai à missa e que recebe visitas nocturnas de misteriosa personagem masculina. A conquista faz parte dos seus projectos de déspota sem escrúpulos e sem princípios morais; admite o rapto, com a maior das naturalidades. Mas Borsa chama-lhe a atenção, perante tanta mulher bonita que está na festa, ao que este responde reconhecendo uma certa inconstância de sentimentos: se hoje lhe agrada uma, amanhã poderá agradar-lhe outra ("Questa o quella per me pari sono...").
O Duque faz a corte à Condessa de Ceprano, indiferente à proximidade do marido, enaltecendo-lhe a beleza e lamentando que ela em breve vá embora. É então que o corcunda Rigoletto (o bobo) dirige ao Conde palavras e graças inconvenientes, com gestos menos respeitosos ("In testa che avete, Signor de Ceprano?").
Marullo entra, dizendo ao Duque e seus amigos ter uma grande novidade: o corcunda e disforme Rigoletto tem uma amante, uma jovem que visita todas as noites ("Un'amante!... Il gobbo in Cupido or s'e transformato!"). Para melhor entendimento, diremos já que a jovem é Gilda, filha do próprio Rigoletto, facto que todos desconhecem!
As inconveniências de Rigoletto continuam. Mas é para isso que o Duque lhe paga, e é esse o seu mísero trabalho. Chega ao ponto de sugerir ao Duque que mande prender o Conde de Ceprano, para possuir a sua esposa! Nisto entra Monterone, que acusa o Duque de lhe ter seduzido a filha, indiferente à dor e aos seus sentimentos de pai. De novo as inconveniências do pobre bobo (Rigoletto), que, com a sua conivência e os seus conselhos, vai ganhando a vida: pretende cobrir Monterone de ridículo e este lança-lhe uma espécie de maldição. Mas no fundo Rigoletto tem problemas de consciência, é supersticioso e infeliz, e fica apavorado: também tem uma filha, que é aquilo que mais estima no mundo!
Numa noite em que vai visitar sua filha (Gilda), Rigoletto cruza-se com Sparafucile, um bandido que lhe oferece os seus serviços de assassino. Tem uma irmã bonita (Madalena) que colabora com ele a seduzir as vítimas a aniquilar; basta dizer quem e combinar o preço e demais condições. Impressionado com a terrível maldição de Monterone, por momentos Rigoletto compara-se ao bandido: devido a uma deformidade física (é corcunda), tem também uma profissão desprezível. E sente que detesta o Duque, a quem presta serviços.
Uma noite Gilda pede ao pai que lhe fale da família! Rigoletto sofre ao lembrar a mulher que o amou por compaixão, sendo ele pobre e disforme. Mas para quê falar-lhe de tudo o que perdeu? Gilda partilha da dor do pai: são eles o que resta a um e ao outro!
Ouvem-se passos na rua. Rigoletto espreita; não distingue ninguém e afasta-se, recomendando à criada Giovanna os maiores cuidados com a segurança de sua filha, Gilda. Mas a criada é conivente e facilita a entrada de um vulto no jardim – suposto apaixonado de Gilda, dando pelo nome de Gualtiere Maldé, estudante pobre, mas, na realidade, o próprio Duque de Mântua!
Marullo continua na rua, com o pequeno grupo que comanda, ao serviço do Duque. Vendam os olhos de Rigoletto, dizendo-lhe ir raptar a Condessa de Ceprano. Na realidade raptam Gilda, ainda suposta amante de Rigoletto, mas, na realidade, sua filha!
Aparentemente, começava a cumprir-se a maldição lançada por Monterone!
O Duque de Mântua acha-se apaixonado por Gilda, que ainda não sabe ao certo quem é. São os cortesãos a dizer-lhe que ela é, afinal, filha e não amante de Rigoletto. A partir daqui as coisas evoluem no sentido da concretização da vingança que o pobre Rigoletto deseja infligir ao Duque. E lembra-se do encontro com Sparafucile e da sua oferta para eliminar eventuais indesejáveis... Mas tem um sério obstáculo pela frente: Gilda gosta do Duque e pede ao pai perdão para aquele que a seduziu!
Um curto diálogo de Gilda com o pai mostra que ela ama o Duque e acredita que o seu amor é correspondido. Rigoletto procura mostrar-lhe os pérfidos hábitos do Duque; leva-a até junto da hospedaria de Sparafucile, onde o Duque corteja a irmã deste, Madalena. O Duque canta a sua canção favorita, onde diz que as mulheres são volúveis como penas ao vento ("La donna è mobile...").
Gilda percebe que o Duque faz a corte a Madalena. Apesar de desiludida, Gilda continua a amá-lo e chora a sua sorte. Rigoletto acha a vingança necessária e ordena à filha que vista roupa masculina e se encaminhe para Verona. Combina com Sparafucile o preço para matar o Duque e entregar-lhe o cadáver num saco que ele próprio lançará ao rio, na noite tempestuosa, prestes a abater-se.
Surgem os relâmpagos, e o temporal instala-se. Gilda fica nas proximidades, disposta a sacrificar a vida pelo Duque, que ama.
No interior da hospedaria este continua a cortejar Madalena, que o aconselha a partir!... Para complicar o triste destino de Rigoletto, Madalena começa a ter dó do Duque e a achar preferível que o irmão (Sparafucile) mate Rigoletto. Mas o bandido tem honra e dignidade: não trai quem lhe paga!
No meio de uma certa confusão – congeminada, em parte – Gilda bate à porta da hospedaria, envergando trajes masculinos. Com brilhante profissionalismo, Sparafucile desfere uma vigorosa punhalada no suposto Duque (entenda-se, em Gilda), que mete num saco e entrega a Rigoletto.
Em cima da ponte sobre o rio, Rigoletto, com o saco na mão, saboreia a vingança. Eis senão quando, não muito longe, se ouve a canção favorita do Duque, entoada pela sua própria voz: "La donna è mobile..."
Em pânico, Rigoletto abre o saco onde descobre sua filha ainda com um leve sopro de vida. Estava cumprida a maldição de Monterone!

Antes de terminar o apontamento, poderemos questionar-nos sobre o perfil moral das personagens. Não teremos dificuldade em entender os propósitos de Victor Hugo, de Francesco Maria Piave e do próprio Verdi. Todos terão assumido o papel de defensores dos oprimidos, das vítimas de uma certa sociedade. Rigoletto, a quem não basta a desgraça da deformidade física, é castigado implacavelmente com a morte de sua filha, a única coisa que amava neste mundo.

A ópera Rigoletto estreou o Teatro de Ópera do Cairo, no âmbito da inauguração oficial do Canal do Suez, ocorrida em 17 de Novembro de 1869. De facto, apesar que encomendada para o efeito, a "Aída" ainda não estava concluída, e só chegaria em 24 de dezembro de 1871.

(1) Aqui, estranhamos, mas assim está largamente anunciado. Plácido Domingo é tenor e, como tal, costuma fazer de Duque de Mântua. Rigoletto é barítono. Esperamos, para confirmar, mas também não será inédito, se assim for (poderiamos falar das vozes de Carlo Bergonzo e Piero Capucilli).

Manuel Paula Maça
manoel.maza@gmail.com

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Actor Taborda em Leiria


Leiria: O Actor Taborda e um Enxofradiço Anastácio

A edição n.º 3 da Revista Zahara (Maio de 2004), em trabalho de Ana Paula Agudo, tece, algo desenvolvidamente, aspectos biográficos e históricos relativos ao homem de teatro e actor a quem Abrantes tira o chapéu, por assim dizer. O resto do país e o Brasil também não o ignoram e emprestam-lhe essa espécie de imortalidade póstuma onde faz sentido a pergunta de Manuel Alegre, num velho poema: “Como enterrar os mortos que a memória desenterra?”.
Um pouco por todo o Portugal existiu ou existe, ainda, um Teatro Taborda. Em muitas vilas e cidades subsistem e resistem praças e ruas Actor Taborda, homenageando o homem que de facto se chamou Francisco Alves da Silva Taborda, e que Abrantes viu nascer em 8 de Janeiro de 1824. O que mais dissermos sobre o seu percurso, sobre as iniciativas em que se envolveu, e a própria casa onde viveu (em Lisboa) estão devidamente referenciados e registados.
Muitas vezes na mesma cidade diferentes grupos rivalizavam entre si. Chegavam a aparecer teatros particulares, tendo ficado famoso o “Teatro das Laranjeiras”, em Lisboa, onde o Conde de Farrobo fazia festas e promovia espectáculos de ópera (teatro lírico, afinal), reservando alguns papéis para si próprio.
Ora, Taborda passou pelas mais diversas salas do país, e foi em Leiria que ocorreu a história que encontramos registada (1).
Em data que supomos corresponder a finais de 1880 (o autor deixa algumas lacunas), no Teatro S. Pedro, Taborda abria uma representação da comédia “A Voz do Sangue”, de Gervásio Lobato. A orquestra estava a postos e a assistência desferia no chão de madeira as usuais pancadas que marcavam o início da representação. E lá entra Taborda, entoando uma cançoneta que começava assim: “Tudo isto… tudo isto… tudo isto… por causa do Anastácio”!
João Cabral deixou escrito que “o cómico não tinha previsto que entre os músicos da orquestra estava um «enxofradiço Anastácio» que, tomando aquelas palavras por um ataque frontal à sua pessoa, desatou a apostrofar, em voz alta o Actor Taborda, gritando que ele mentia, e, metendo o instrumento debaixo do braço aí vai ele de abalada… e abandonou o espectáculo”.
Taborda e “A Voz do Sangue” regressaram a Leiria, em finais de 1882, desta vez ao Teatro D. Maria Pia. Não sabemos se desta vez o «enxofradiço Anastácio» estaria na orquestra, mas a imprensa da época teceu elogiosos comentários à representação, referindo-se ao “maior talento cómico da cena portuguesa – o insigne, o glorioso, o imortal actor Taborda”.
Um registo que fica.

Manuel Paula Maça
manoel.maza@gmail.com

(1) O Teatro Amador em Leiria, João Cabral, edição da Assembleia Distrital de Leiria, 1980.

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Nelson Baltazar Presidente do SUCH


Eng.º Nelson Baltazar,
presidente do Conselho de Administração do SUCH

Por força do Despacho n.º 10558/2010, do Secretário de Estado da Saúde (Diário da República 2ª Série, n.º 121, 24 de Junho 2010), o nosso conterrâneo abrantino e amigo Eng.º Nélson Baltazar foi nomeado Presidente do Conselho de Administração do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH). Várias razões motivam este registo.
A década de 80 do século XX tinha-se iniciado há pouco, quando a vida me pôs em contacto com o Nelson Madeira Baltazar, com a vertente profissional a empurrar, por assim dizer, apesar de distintas as funções. Eu vinha de férias para a Carreira do Mato e visitava regularmente o Hospital de Abrantes, hoje integrado no Centro Hospitalar do Médio Tejo.
Profissionalmente, o trabalho aproximava-nos, e o seu interesse, a sua disponibilidade, espírito de ajuda e colaboração deram-me segurança e apoio, ao longo dos quase dois anos em que, no “meu” hospital, tive que desempenhar, funções e tarefas que se situavam para além das responsabilidades de uma chefia administrativa, numa área técnica que ele coordenava e conhecia bem.
Escapará ao comum dos amigos o que é chegar ao fim de um dia ou de uma semana de trabalho num Hospital e levar na mente, para casa, questões como: “Se houver trovoada, se falhar a energia eléctrica na rede, será que o gerador de emergência vai arrancar?”. “Será que a central de gases medicinais vai aguentar o movimento?”. “Os vidros dos filtros de cal sodada dos aparelhos de anestesia irão aguentar-se?”. “As máquinas e os secadores da rouparia não irão abaixo? A roupa não vai faltar?”. “E os ventiladores da unidade de cuidados intensivos? E o bisturi eléctrico? E os aparelhos de Raios X?”...
Não esqueço, por exemplo, a instalação de ar condicionado no Serviço de Sangue do “meu” Hospital. Pedi-lhe ajuda, é claro. À data, os equipamentos de telecópia (fax) eram novidade, mas a troca de fórmulas e de desenhos foi abundante, com perguntas e recomendações sobre a localização dos aparelhos, tendo em conta a circulação do ar, face à exposição a Sul (mais sol, mais calor), e mais uma série de pormenores.
As instituições são impessoais ou de má memória, e o tempo simplesmente terá levado os factos, já que os problemas eram solucionados ou resolvidos, ou nem por eles se dava.
Este amigo é um técnico de engenharia hospitalar com experiência, com lugar e carreira há muito adquiridos. Engenheiro electrotécnico por formação académica, tem desempenhado funções de responsabilidade (Deputado, Governador Civil de Santarém, Secretário de Estado dos Recursos Humanos e Modernização da Saúde, Presidente do Conselho de Administração do Hospital Garcia de Orta). É membro da Assembleia Municipal de Abrantes
“Mas, afinal, o que é o SUCH?” – perguntar-se-à.
O chamado Serviço de Utilização Comum dos Hospitais foi instituído há quase 45 anos, por um conjunto de hospitais associados, aos quais fornece serviços específicos. O número de associados viria, aliás, engrossando, e não nos ocorre um hospital que dispense, de todo, os seus serviços.
O SUCH está subdividido em três grandes zonas (Norte, Centro e Sul, grosso modo), e detém know-how em áreas de instalações e equipamentos, como electromedicina, instalações eléctricas, mecânicas e de fluidos, passando pelo tratamento de resíduos (lixos) e de roupas, com as especificidades técnicas, legais e ambientais adequadas. Também é parceiro importante no desenvolvimento de projectos, planos de acção e assessoria técnica. Aos hospitais – ou outras unidades de saúde - cabe o pagamento de quotas e dos serviços prestados, com direito a dividendos e participação nas assembleias-gerais. O SUCH também pode vender os seus serviços a particulares, designadamente na área da saúde, onde se destacam serviços geridos pelas Misericórdias. Actualmente, tem cerca de 3.000 colaboradores, a nível nacional.
De um ponto de vista histórico, o SUCH foi determinante no gradual desenvolvimento dos sistemas de informatização e de compras centralizadas, ainda que, muitas vezes, com âmbito regional. Não esqueceremos, também, o seu papel dinamizador em matéria de formação dirigida a diversos grupos profissionais, na área da saúde.
Ficam estes registos para agora e, eventualmente, para a posteridade, pois a história de um homem é a sua própria vida – o que também é filosoficamente discutível.
Ao meu amigo Baltazar (que não sonha com a maldade deste escrito) um abraço solidário.

Manuel Paula Maça
manoel.maza@gmail.com
2 de Setembro de 2010

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